Greve na Educação de Salvador Expõe Desigualdade Racial e Crise no Piso dos Professores: Até Quando?

A educação básica em Salvador, onde cerca de 83 % dos estudantes se autodeclaram negros ou pardos, continua marcando diferenças significativas no desempenho escolar. Dados nacionais mostram que essa população acumula atrasos educacionais de até dez anos em comparação aos alunos brancos, um panorama que se reflete nas escolas municipais da capital baiana. Essa realidade agrava-se com a evasão, que tem sido intensificada por fatores como racismo institucional, falta de representatividade no currículo e ausência de infraestrutura adequada — especialmente em territórios periféricos e negros.


Desde 4 de maio de 2025, cerca de 131 mil alunos em 415 unidades da rede municipal de Salvador são diretamente afetados pela greve dos professores. O movimento, já com mais de 60 dias em 6 de julho, foi deflagrado diante do descumprimento do piso nacional do magistério fixado em R$ 4.867,77 — reajuste garantido por lei federal. A prefeitura tem se utilizado de gratificações para compor o valor reivindicado, estratégia criticada como “manobra contábil” pela APLB-Sindicato e questionada judicialmente


A greve traz à tona uma forte interseção entre valorização profissional e justiça racial: docentes negros afirmam que a desvalorização salarial compromete a qualidade do ensino, refletindo diretamente no acesso às crianças e adolescentes negros e pardos. Além das demandas salariais, a categoria reivindica respeito ao plano de carreira, melhores condições de trabalho (como climatização e recursos pedagógicos) e apoio institucional — elementos cruciais para romper o ciclo de desigualdade escolar.


No dia 9 de julho, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, a deputada federal baiana Alice Portugal (PCdoB) fez um discurso contundente, pressionando o prefeito de Salvador a retomar o diálogo com os professores:

“Piso não é quem quebra a prefeitura... É improbidade ou não é improbidade não cumprir a lei?”

A deputada enfatizou que “não é diabolizar o piso, diabolizar a necessidade de um profissional ter dignificado a sua ação profissional”, apontando que os recursos do Fundeb seriam suficientes para cobrir o valor legalmente definido. A fala de Alice Portugal cristalizou o cerne da discussão: a greve não é apenas uma demanda salarial, mas uma luta por respeito, dignidade profissional e uma educação pública de qualidade — elementos essenciais para reduzir desigualdades raciais no sistema educacional de Salvador.


O impasse em Salvador, que já ultrapassou dois meses, evidencia a tensão entre avanços legislativos na área racial (como o Selo Antirracista e a campanha de autodeclaraçãoracial) e os desafios práticos de uma gestão escolar comprometida com equidade. A valorização salarial e o retorno dos professores com condições dignas são requisitos indispensáveis para que as políticas antirracistas deixem de ser apenas normativas e se transformem em práticas cotidianas — capazes de reverter o ciclo de atraso, evasão e desigualdade racial na educação básica da capital baiana.

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