Quando a festa encolhe: a matemática ingrata dos eventos em Salvador

O mercado de shows e festivais em Salvador atravessa um dilema: custos cada vez mais altos, patrocínios em retração e um público sem poder aquisitivo para bancar ingressos inflacionados. Diante desse cenário, os organizadores adotaram a saída mais imediata: reduzir os espaços dos eventos, como estratégia para conter despesas. Mas a matemática, apesar de pragmática, cobra um preço cultural.

O Salvador Fest foi o caso mais explícito. A festa das camisas coloridas, que já ocupou o Parque de Exposições com seu gigantismo popular, migrou para o Wet, espaço menor e menos acessível. O que parecia uma medida de economia resultou em perda de identidade e encolhimento simbólico: o festival deixou de ser a “maior festa do povo” para virar um evento limitado, esvaziado, até chegar ao cancelamento oficial em 2025.

O Festival de Verão Salvador seguiu um caminho semelhante em outros tempos. Durante anos, o Parque de Exposições foi palco de shows históricos, com multidões e uma atmosfera de megaevento. Mas, quando foi transferido para o Wet’n Wild, a festa perdeu o ar de espetáculo grandioso e passou a ser percebida como um festival reduzido, quase genérico, incapaz de carregar sozinho o título de maior celebração da música na capital baiana. O retorno ao Parque nos últimos anos mostra que até os organizadores perceberam o erro: Wet encolhe, Parque engrandece.

Esse encolhimento não é apenas físico. Ele traduz a lógica de sobrevivência que domina o setor: cortar custos mesmo que isso signifique cortar a alma do evento. Menos público, menos palcos, menos comércio informal, menos circulação de renda nas comunidades que viviam em torno dessas festas. É a economia popular — camelôs, costureiras, motoristas, ambulantes — quem mais sente a conta.

O resultado é um círculo vicioso: para não fechar de vez, os eventos reduzem sua escala, mas ao reduzir, perdem relevância cultural, afastam a periferia e aceleram o processo de esvaziamento. O Salvador Fest foi engolido por essa lógica. O Festival de Verão, ainda de pé, já sentiu o gosto amargo de quando tenta encolher demais.

No fim, a equação é dura: reduzir espaços pode aliviar despesas, mas destrói a expectativa de grande evento. E quando o público deixa de enxergar grandiosidade, os festivais perdem aquilo que mais os sustentava — o pertencimento, a memória afetiva e a alma popular que faziam Salvador brocar.

Texto André Cunha

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