Salvador– A greve de 74 dias dos professores municipais, encerrada em 18 de julho de 2025, gerou um impasse que ultrapassou o debate salarial: embora a Prefeitura já tenha recebido R$ 260 milhões do Fundeb até abril — equivalente a R$ 182 milhões, ou 70% do total, o que a legislação determina como mínimo para salários — os professores cruzaram os braços, dando início a uma série de questionamentos sobre prioridades, gestão financeira e cumprimento da lei.
Quantos recursos, quantos professores?
Dados do Tesouro Transparente e do Portal da Transparência mostram que até julho, Salvador já acumulara R$ 424,1 milhões em repasses do Fundeb — valor que representa cerca de 65% de todo o fundo recebido em 2024 (R$ 654,8 milhões) . A cidade se destaca como a quinta no país que mais recebeu repasses do Fundeb, em 2025 e historicamente (mais de R$ 5,5 bilhões entre 2008 e julho de 2025) .
Segundo a Secretaria Municipal de Educação (Smed), Salvador tem 10.041 servidores da educação, sendo 8.636 professores (86%) . Se todos recebessem o piso nacional (R$ 4.867,77), a folha mensal seria de cerca de R$ 42 milhões, ou menos de um quarto dos recursos do Fundeb recebidos até abril .

O que diz a prefeitura?
Em nota à BNews Premium, a gestão municipal afirma que “100% dos recursos do Fundeb são utilizados para pagamento da folha dos profissionais da Educação”, e ainda complementa com 30% de recursos extras, somando cerca de R$ 1,3 bilhão anuais destinados à remuneração da categoria — enquanto o Fundeb gira em torno de R$ 1 bilhão por ano .
Ministério Público na cola
Mas nem tudo parece transparente. O Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal de Contas da União (TCU) investigam irregularidades: prefeituras e o governo estadual estariam usando contas bancárias não vinculadas à Secretaria de Educação para movimentar recursos do Fundeb, o que contraria normas de controle e rastreabilidade . No caso de Salvador, a Smed admitiu que o Fundo Municipal da Educação (FME) ainda apresenta pendências cadastrais junto à Receita Federal, que estão sendo regularizadas .
A greve e as disputas jurídicas
A paralisação começou em 6 de maio, após rejeição de proposta de reajuste de 4% (2% em maio e 2% em outubro). A Justiça da Bahia considerou a greve ilegal e impôs multa diária de R$ 15 mil, depois elevada a R$ 100 mil, e ainda bloqueou a contribuição sindical . A Câmara de Vereadores aprovou, no dia 22 de maio, um reajuste entre 6,27% e 9,25%, superando o piso, mas o sindicato manteve o movimento, alegando distorções nos cálculos e falta de diálogo .
A vereadora Marta Rodrigues (PT) criticou duramente a postura da gestão: “ameaçar cortar salários e criminalizar uma greve legal é um ataque aos professores”, denunciando também a precariedade das escolas e a ausência de concursos públicos .

O que explica o impasse?
A situação evidencia uma série de tensões e irregularidades:
- Recursos aparentes, aplicação contestada: o município diz aplicar integralmente os repasses, mas aviso de auditorias indica que parte pode não estar vinculada diretamente à educação.
- Descompasso entre arrecadação e diálogo: mesmo com valores robustos, a categoria não se sentiu atendida adequadamente.
- Pressão judicial versus força sindical: a greve resistiu às multas e medidas judiciais, levando ao desgaste prolongado.
- Estrutura física deficitária: enquanto se fala em recursos, escolas apresentam falhas estruturais, conforme denuncia da vereadora Marta.

Conclusão
A greve dos professores de Salvador expôs uma tensão central: recebimentos robustos do Fundeb não se traduzem automaticamente em valorização ou melhora das condições de trabalho e ensino. A investigação em curso pelo MPF e TCU sugere que parte das verbas pode não estar sendo gerida com a transparência exigida. Para resolver o impasse, será necessária mais clareza sobre onde e como o dinheiro foi aplicado — e se professores e estudantes estão sendo atendidos com prioridade e legalidade.
Fonte: Bnews